Entrevista Jailson Carvalho
Entrevista Jailson Carvalho
Jailson Cruz Carvalho é o presidente da ONG DaM. É professor, tem 34 anos e a área educativa é uma causa que traz no coração..
Entrevista de Annette Helle
Annette:Porque acha ser é importante investir na educação?
Jailson: Pelo seguinte, a educação é a base fundamental para se subsistir, para se poder ganhar um rendimento regular. Em termos de trabalho, no Tarrafal havia apenas duas opções: a pesca ou a agricultura. Hoje, existem várias outras possibilidades e profissões disponíveis caso se possa fazer a formação adequada. Isto abre portas a outros desejos e visões, desperta a ambição e cria perspetivas futuras. Hoje em dia, quando questionadas sobre o que querem ser, metade das crianças já não responde ‘pescador’ e a outra metade ‘agricultor’. Por outro lado, um padrão mais elevado de educação capacita as pessoas em termos de atitudes sociais e de desenvolvimento social em geral, por exemplo, fica mais fácil a resolução de conflitos. E, naturalmente a comunidade também fica a ganhar se existirem mais professores, enfermeiros, artesãos e empresários locais.
Annette: Quais são as possibilidades de educação escolar no Tarrafal?
Jailson: No Tarrafal as crianças podem ir para a escola primária, e frequentá-la da 1ª à 6ª classe. Depois, para frequentarem a escola secundária, têm que mudar-se para o outro lado da ilha - Ribeira das Patas, Porto Novo, Ribeira Grande ou até para a ilha vizinha São Vicente. Aí, geralmente ficam a viver em casa de familiares ou de famílias amigas – é longe demais para ir e vir todos os dias. No Porto Novo também existe um internato para alunos que não têm familiares nas proximidades. Concluído o 12º ano, existe a possibilidade de tirar um curso superior. Em Cabo Verde existem algumas instituições particulares de ensino superior e desde 2006 existe também uma universidade pública com sucursais na Praia e no Mindelo.
Annette: Quantos alunos da escola primária vivem no Tarrafal?
Jailson: Temos duas escolas primárias, uma na área da Praia e outra em Covão, na encosta da montanha. Atualmente sete professores lecionam um total de 82 alunos. Uma parte tem aulas de manhã, outra à tarde.
Annette: Que disciplinas são ensinadas? E como é o dia à dia na escola?
Jailson: As disciplinas ensinadas são: Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, Educação Física e Musical, Expressão Plástica e Educação para a Cidadania. Para os alunos da manhã, a escola começa às oito e termina às 12h30 com um intervalo de meia hora para uma refeição às 10h. Os alunos da tarde entram às 13h, comem às 15h e têm aulas até às 17h30.
Annette: Que tipo de refeição é dada aos alunos? Eles têm que pagar?
Jailson: É sempre uma refeição quente. O governo fornece à escola arroz, massa, óleo, feijão, farinha, leite e gás para cozinhar, nós obtemos legumes, peixe e outros produtos. Cada aluno contribui com 50 escudos por mês.
Annette: Frequentar a escola primária implica que custos totais?
Jailson: 500 escudos pela alimentação, 450 escudos para os exames finais, 1000 escudos para o uniforme escolar e cerca de 1.500 escudos para os livros, cadernos e material escolar. Depois, existem ainda duas grandes festas escolares: no Dia Internacional dos Direitos da Criança e fim do ano letivo. Para tal, cada aluno participa com 100 escudos. Isto totaliza 3.650 escudos, o equivalente a cerca de 35 euros por ano letivo.
Annette: E quanto custa frequentar a escola secundária?
Jailson: É três a quatro vezes mais cara. Os pais dos alunos pagam de acordo com os seus rendimentos – 1.500, 3.000 ou 9.000 escudos por ano. Acrescem ainda os custos do uniforme, roupa de desporto, livros e material escolar – no total cerca de 4.000 a 5.000 escudos. Os custos aumentam com as inúmeras fotocópias fornecidas durante o ano escolar e alojamento fora da casa dos pais. É dispendioso para aqueles que não têm onde ficar (por exemplo em casa de familiares): o internato custa entre 6.000 a 8.000 escudos por mês.
Annette: Quantos alunos do Tarrafal frequentam a escola secundária em outro lugar?
Jailson: Quinze. A maioria vai à escola no Porto Novo, seguido de Ribeira das Patas, Mindelo (São Vicente) e Ribeira Grande.
Annette: Num total de cerca de 1.000 habitantes, o Tarrafal tem 82 alunos na escola primária e 15 na secundária. Isso parece promissor...
Jailson: Sim, temos aqui muitos cérebros! Um juiz do Supremo Tribunal da Praia é do Tarrafal, assim como vários médicos e um grande número de enfermeiros, contabilistas, professores, informáticos especializados, empresários em nome individual, etc. Duas vezes nos últimos anos, alunos do Tarrafal venceram o concurso nacional de Matemática, e dois famosos futebolistas caboverdianos também são de cá: Rolando (Ex F.C. Porto) e Vandi (Ex Portimonense). Temos certamente um enorme potencial...
Annette: Tu próprio nasceste no Tarrafal, estudaste no Mindelo e regressaste depois ao Tarrafal. É essa a regra?
Jailson: Não. A grande maioria não volta. O Tarrafal é um lugar muito remoto e não oferece as vantagens de uma cidade, e não existem ainda suficientes postos de trabalho para a mão-de-obra qualificada.
Annette: Como podem terceiros ajudar?
Jailson: Precisamos, sobretudo, de apoio financeiro. Este pode envolver o patrocínio de um aluno da escola primária ou secundária, ou a doação para uma bolsa de estudos. Podem também doar alimentos para a escola, ou por exemplo, oferecer um computador a um aluno do secundário. Qualquer contributo será muito bem acolhido.
Annette: Como devem proceder?
Jailson: No nosso website www.damtarrafal.com existe um formulário chamado ‘Apoio à educação’. Aí pode-se registar o tipo de contributo que se pretende doar e o montante pode ser transferido para a nossa conta. Com esse contributo pagamos as propinas e compramos o material necessário para um aluno selecionado.
Annette: Quem pode beneficiar do apoio financeiro e quais são os critérios de seleção?
Jailson: Apenas apoiamos alunos de famílias que não têm posses financeiras para pagar a educação dos seus filhos. Os outros critérios são a motivação do aluno, isto é, a vontade de aprender, e, naturalmente, a capacidade intelectual necessária. Escolhemos o candidato em concertação com os professores e pela monitorização do seu sucesso escolar ao longo do tempo.
Annette: Qual o objetivo deste tipo de assistência?
Jailson: A abordagem adotada é a de ajudar as pessoas a ajudarem-se a si próprias. Em Cabo Verde há fortes laços familiares. Os filhos mais velhos, que já concluíram a escola, muitas vezes contribuem para o rendimento familiar, ajudando a tornar possível a frequência escolar dos irmãos mais novos. Por isso, em última instância, não é apenas o aluno que é ajudado, mas toda a sua família.